Coisas da minha cabeça ou doença real?

A Síndrome do Intestino Irritável (IBS) é uma condição funcional, o que significa que não há indicadores orgânicos claros que possam ser usados para diagnosticar a doença. Esta característica pode levar a uma grande incompreensão por parte de pessoas que não têm a IBS, e pode até mesmo levar a comentários ofensivos, como “Isso são coisas da tua cabeça”. Revê-se?

No entanto, é importante esclarecer que a IBS não é uma condição psicológica, mas sim uma condição física real que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Na verdade, os sintomas da IBS são frequentemente mais graves do que as pessoas pensam, podendo afetar negativamente a qualidade de vida dos pacientes.

Um dos desafios da IBS é que os sintomas podem variar muito de pessoa para pessoa, e também podem variar em intensidade de um dia para outro. Isso pode tornar difícil para as pessoas mostrarem provas concretas de que estão doentes. No entanto, há uma grande quantidade de estudos científicos que mostram que a IBS é uma condição real e não imaginária.

Por exemplo, um estudo recente publicado no Journal of Neurogastroenterology and Motility descobriu que os pacientes com IBS apresentam anormalidades no funcionamento do trato gastrointestinal e do sistema nervoso autónomo, que não são encontrados em indivíduos saudáveis.

O mesmo estudo sugere que a IBS pode estar associada a uma função não-normal do sistema nervosa enético, responsável pelo controlo dos movimentos do intestino.

Não conhecermos ainda por completo as causas de uma doença não é sinónimo de esta causa não existir. Obviamente que essa dificuldade começa no diagnóstico: pode ser difícil para os médicos encontrarem indicadores orgânicos tangíveis para diagnosticar a condição (através de exames ou análises). 

Mas passar para o extremo oposto de falar da SII como algo que está “na cabeça” dos pacientes é irrealista. É importante que os pacientes sejam levados a sério e que recebam o tratamento adequado para a IBS. Isso pode incluir mudanças na dieta, terapia comportamental ou medicamentos prescritos por um profissional de saúde.

Uma questão ainda mais premente é: para ajudar a combater a incompreensão e o estigma em relação à IBS, é importante que a informação científica sobre a condição seja divulgada de forma mais ampla. Esse objetivo está na origem da plataforma Miolo Irritável.

Os profissionais de saúde devem estar cientes dos últimos desenvolvimentos na pesquisa da IBS, para que possam fornecer tratamento eficaz e informação clara aos pacientes. E cabe também aos pacientes exigir essa atualização e rigor aos profissionais de saúde. A conscientização pública também é importante, para ajudar as pessoas a entender a gravidade e a realidade da condição.

Vários estudos sugerem que a IBS é uma condição multifatorial, com contribuições tanto de fatores físicos quanto psicológicos. É inegável que a IBS terá uma enorme componente psicofisiológica. Mas há que mudar o paradigma: existe uma relação bidirecional entre o intestino e o cérebro. Não é, por isso, surpresa encontrarmos elevados níveis de sintomas depressivos e ansiosos em pacientes com SII, tal como não é despropositado percebermos até que ponto os mecanismos que desencadeiam depressão ou ansiedade podem ser, eles próprios, responsáveis por gerar a sintomatologia da IBS.

Se ao menos fosse nesse sentido que “isso são coisas da tua cabeça” fosse dito…!